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Prof.Paulo Murilo 

16 setembro 2004

MODIFICANDO ATITUDES

Quando dirigi o Laboratório de Tecnologia do Ensino da Escola de Educação Física da UFRJ ainda na Praia Vermelha, treinava e preparava os funcionários no manejo dos diversos equipamentos audiovisuais utilizados nas aulas teóricas por diversos professores, que já naquela época, início dos anos setenta, se interessavam por aquelas máquinas de difícil manejo. As aulas com diapositivos e filmes realmente ficavam mais interessantes, mas exigia-se um manejo apurado e manutenção permanente. Numa das sessões de filmes os dois funcionários responsáveis inverteram uma rotina ocasionando uma grave quebra no projetor. Ficaram muito abalados e se dispuseram a pagar pelo reparo. No campus ainda funcionava a oficina do núcleo de pesquisas físicas, e um dos técnicos forjou uma nova peça cobrando somente o material empregado, que mesmo assim alcançou uma cifra considerável. Pronto o reparo os dois funcionários já se cotizavam para o pagamento quando intervi dizendo que a conta seria dividida por nós três. Surpresos perguntaram o porquê daquela minha atitude. Mostrei a eles que se os tivesse preparado e treinado com mais precisão, com mais empenho, a quebra não teria ocorrido, e por conta de minha falha a despesa seria rateada pelos três. Não preciso dizer que nunca mais se repetiu a quebra, e que a confiança entre nós todos se solidificou, e o LTE só fez crescer dali para diante.

Por que recordei este fato administrativo ocorrido há tanto tempo atrás? Na minha carreira de técnico de basquetebol aquele fato determinou um comportamento primordial: deu-me a certeza de que o sucesso de uma atividade coletiva só se estabelece com intenso e participativo treinamento, com trocas permanentes de experiências, vivencias, convivências, erros e acertos, e, acima de tudo, com a humildade de encarar o erro de frente, de assumi-lo, discuti-lo e ultrapassá-lo. O jogo em si é o resultado do treino, do entendimento das partes envolvidas na luta, da doação em prol da equipe, das cobranças baseadas em fatos conhecidos e discutidos por todos. Daí, quando de um pedido de tempo, nada do que não foi treinado deverá ser exigido, pois não se deve confundir improvisação com aventura fugaz, pois só improvisa quem domina uma ação, um comportamento, uma técnica, em todos os seus pormenores. Um autêntico músico de Jazz desenvolve suas habilidades de improviso tocando desde as músicas clássicas ao mais puro gênero popular. Enfim, só improvisa quem sabe. Por isso me preocupa sobremaneira o reinado absurdo das pranchetas, pois o que se observa é a improvável fixação, por parte dos jogadores, de movimentos que quase sempre estão sendo pedidos pela primeira vez, fora dos padrões de treinamento, se é que aconteceram. Seria como ao iniciar um combate em um areal em campo aberto se exigisse dos soldados uma performance vencedora quando foram treinados para combates na selva. Recentemente assisti pela televisão um pedido de tempo que me assombrou, pois o técnico de tão centrado em sua prancheta elaborando ações mirabolantes, teve a surpresa de, ao levantar os olhos da mesma, se deparar com o banco praticamente vazio. Os jogadores simplesmente tinham saído sem que o técnico notasse. Lamentável.

Quando da final inesquecível do Campeonato Brasileiro Feminino em Recife, no longínquo 1966, passei todo o primeiro tempo praticamente tentando encontrar uma falha na equipe paulista que me desse subsídios para orientar minha equipe para a vitória. Não encontrava uma falha sequer, e então percebi, por conhecer profundamente as reações das jogadoras, e por tê-las treinado intensamente, que os erros estavam do nosso lado, imperceptíveis mas existentes, e pelo fato de termos aprendido no dia-a-dia a nos conhecer pude com uma simples e compreendida ação mudar nosso comportamento tático. Equilibramos as ações e vencemos na prorrogação, aquele que pode ter sido o último grande jogo entre seleções estaduais. Anos antes do ocorrido no LTE já se cristalizava em mim a grande certeza, aquela que deveria ser a certeza de todo técnico desportivo, a certeza de que cada ser humano tudo pode alcançar, na medida em que trabalhe duramente para consegui-lo, mas dentro de uma outra certeza, a de saber rigorosamente o que está sendo inicialmente pedido, e posteriormente exigido no âmbito de seu horizonte conhecido. Alcançado isto o improviso se torna possível e perfeitamente alcançável. Daí em diante, ao solicitar-se um tempo basta pedir para ser atendido por ser compreendido. Simples, não?