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Prof.Paulo Murilo 

12 junho 2007

IN VINO VERITAS

Para entrar no clima, fui até a cozinha e coloquei no microondas um desses saquinhos de milho para pipocas. E ele cresceu e entornou de uma tigela gigante, acompanhada de uma lata de coca-cola, isso mesmo,a seiva sagrada de todo americano que se preza. Atenuei a luz da sala e me coloquei em frente da telona para assistir, endeusar e degustar, junto às pipocas é claro, o maior espetáculo da terra, aquele que desencadeia na maioria de nossos sites um caudal de delirantes comentários, detalhadas pesquisas e discussões apaixonadas, culminadas com opiniões e sugestões aos técnicos... de lá, pois os daqui, pobres coitados, não têm o cacife promocional e financeiro necessário para pertencer a tão seleto e sagrado clube. Laudas e laudas são gastas nesse oráculo colonial a que somos submetidos por uma jovem geração de bons, porém descompromissados colunistas, antenados e escravizados pela cornuópica e devastadora NBA.

E vamos ao jogo, mas que jogo? Tento entender os porquês de tantas e acrobáticas penetrações, principalmente por parte do Parker, do Ginóbili e do “menino” Lebron. Com os olhos aguçados e treinados por mais de 40 anos de quadra, observo quão falaciosas são as coberturas a que são submetidos aqueles cracaços em suas fulminantes arrancadas. Nunca em tempo algum um jogo coletivo ofereceu tantas atenuantes defensivas no intuito de facilitar e promover o espetáculo. Chegam às raias do ridículo as tímidas tentativas de quadris para tentarem as mudanças de direção do atacante que penetra, onde as leis que regem as flutuações somente os

beneficiam , existindo, inclusive uma área dentro do garrafão em que os defensores não podem permanecer por mais de 3 segundos. Mas na hora dos tocos, aí sim, o pau canta, para delírio da turba ensandecida. Engraçado, nos torneios internacionais esses mesmos jogadores jamais repetiram tais jogadas, e porque ? Porque o principio do puro 1 x 1, o que propicia o espetáculo circense bate de frente com a também pura realidade da defesa coletiva, assim como o bloqueio físico próximo à cesta encontra nas regras da FIBA um conceito de contato muito diferente do adotado pela NBA. Mesmo assim, uma equipe, como os Spurs, se sobrepõe à do Cavs por um simples e decisivo diferencial, tem mais artistas, mais experientes, mais rodados, e por isso mesmo mais de acordo com o modelo de basquete que praticam. Sim, outro basquete, com outras regras, outros princípios, outros interesses, basicamente o maior e mais esmagador de todos, o financeiro.

É estarrecedor constatarmos ali, nas imagens que invadem a sala, a quantidade de pífios jogadores que, num entendimento com um mínimo de coerência, não fazem jus aos montes de dólares que ganham. E o pior, arrastando para sua órbita o que de melhor o mundo tem produzido para o basquetebol, obrigando-os à pratica de um jogo que não sabem desenvolver, após aprenderem e se notabilizarem em um outro bem diferente. Mas o peso dos muitos dólares mudam, não só as cabeças, como as silhuetas atléticas e bem equilibradas, substituindo-as por uma massa disforme e criminosamente inchada, cujas constatações correm o mundo em milhares de fotos e vídeos reveladores. Muitas seleções nacionais têm sido desfalcadas pela ameaça dos anti-dopings nos campeonatos internacionais, pratica tolerada, e por isso praticada amiúde nas equipes profissionais dos irmãos do norte. Não é atoa que as comissões que combatem tais praticas no senado americano rapidamente se aproximam da NBA, como já o fizeram na NFL e nas ligas de beisebol.

E o jogo, quilométrico se arrasta madrugada à dentro, previsível e de gosto mais do que duvidoso. Vence o mais rodado, o mais acostumado às oscilações de uma liga que se insinua pelo mundo como a deificação do grande jogo, como se o mesmo encontrasse nela seu principio, seu meio, seu fim.

Mas o que acabou mesmo foi a pipoca, companheira dos teimosos cochilos que me assaltaram, como uma providencial fuga de um engodo que me nego energicamente a aceitar, pois professo outro tipo de competição, com regras definidas e aceitas em todo mundo, exceto, lá. Mas algo de bom ocorreu, no esquecimento da lata de coca-cola, substituída alegremente por uma pequenininha taça de vinho tinto, do vale do São Francisco, que degustei com comedido prazer, salvando uma noite que parecia irremediavelmente perdida. Amém.